Mas, a partir do caso “Belo”, percebendo que uma parte do Judiciário carioca agasalhara com satisfação e felicidade a idéia, passou a polícia a aplicar os dispositivos de cambulhada, sem os embaraços que implica a obrigação da prova da materialidade, indispensável no caso de imputação por tráfico ou, até mesmo, pelo simples uso (artigos 12 e 16 da citada lei). Prender por droga sem droga é o mesmo que prender por homicídio sem cadáver, por furto sem “res furtiva”, por falsidade material sem documento etc. É a liberdade de acusar qualquer um a qualquer tempo sem qualquer motivo. É o paraíso da repressão, que faria inveja a Hitler, Mussolini e seus eventuais seguidores. Nem mesmo as ditaduras militares latino-americanas descobriram tamanha facilidade para operar seus desígnios.

É sabido que os fascistas de plantão cuidarão de dizer que os tipos dos artigos 13 e 14 da lei de drogas (associação e/ou colaboração) não exigem materialidade, que são crimes formais, que se consumam com qualquer ato de colaboração. Mas, com certeza, jamais poderão definir em que consistem tais atos de colaboração, sem se perderem em conceitos vagos e preconceituosos.

A prisão ou convocação de pessoas por conta dessa espécie de imputação é uma grave ameaça para todos os cidadãos, mais especialmente para as lideranças comunitárias do país, que passam a ficar altamente vulneráveis às intempéries políticas locais, podendo ser abortadas ao gosto e ao tempo das autoridades constituídas, através de simples e, aparentemente, corriqueira atividade policial. É o disfarce de uma covardia; é o uso da instituição policial para suporte de ambições políticas inconfessáveis. Tal expediente, além de espúrio, compromete nossa liberdade política, cuja relevância é destacada por Richard Rorty, nos termos seguintes: “Se cuidarmos da liberdade política, a verdade e a bondade cuidarão de si mesmas”.

No caso de William de Oliveira, presidente da principal associação de moradores da Favela da Rocinha, a pirotecnia policialesca mostrou-se altamente eficaz, pois conseguiu afastar da vida pública – embora temporariamente – um trabalhador, sem qualquer registro policial aos 39 anos de idade, representante legítimo dos moradores da comunidade em que mora desde que nasceu. Outros líderes comunitários, como, por exemplo, a presidente e diretoras da associação de moradores do morro Dona Marta, já foram chamados para “esclarecimentos” em sedes policiais. A situação é grave e possibilita um verdadeiro genocídio de lideranças espontâneas e autênticas das camadas sociais menos favorecidas. E se a moda pega o preço histórico pode vir a ser muito alto.