E ainda são esses os paradigmas que orientam a atual política proibicionista de drogas, cujo reconhecido fracasso (3), expressamente previsto até mesmo por quem a elaborou (4), não impede o tremular de sua bandeira nos céus de Viena, na UNGASS – United Nations General Assembly Special Session – 2009, anunciando mais repressão para a próxima década.

É o máximo da teimosia; é o triunfo do obstinado propósito de eliminar um suposto inimigo que, justamente por ser suposto, jamais se esgota. Afinal, são tantas as drogas capazes de mobilizar o espírito humano que é impossível a qualquer programa criminalizante enumerá-las, sem contar ainda as outras tantas que são inventadas a cada instante (5). Entretanto, os países que adotam a política proibicionista liderada pelos EUA (6) empreendem essa tola tarefa, ao arrepio da ciência (7) e da lógica jurídica (8), em manifesto prejuízo da liberdade individual, como bem demonstra Thomas Szasz em questionamento formulado nos seguintes termos (tradução livre): ”Voltaire disse: ‘Eu desaprovo o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo’. Mas quem hoje diria: ‘Eu desaprovo o que você toma, mas defenderei até a morte o seu direito de tomá-lo? ’. Parece-me ainda que o direito de tomar coisas seja mais elementar que o direito de dizer coisas” (9).

Curioso é que tais países assim procedem não para protegerem a saúde pública (bem jurídico tutelado na incriminação de uso e comércio de drogas ilícitas), mas sim para construírem uma ferramenta (uma espécie de canivete suíço) com variadas utilidades, dentre as quais as de dispositivo de controle político interno, dispositivo de controle social interno e dispositivo de controle político externo.

Como dispositivo de controle político interno , a política proibicionista mostra-se muito eficiente – em especial nos períodos eleitorais – para abortar lideranças comunitárias antagônicas, associando-as ao tráfico de drogas e, a partir disso, mobilizando contra elas a força policial. (10).

Como dispositivo de controle social interno , permite aos estados policiarem as regiões pobres sem os embaraços legais, com invasões de domicílios, exposições de moradores a perigo de morte, revistas pessoais em mulheres e crianças e execuções sumárias, sem contar as vantagens hauridas com a rapinagem de bens, armas, munições e drogas, além dos valores do arrego para o livre comércio. A política proibicionista é de enorme serventia para os estados policiais, que dela não podem (por razões externas) e não querem (por razões internas) se livrar.

No panorama brasileiro, a política de drogas é desempenhada com tamanha bestialidade que deveras merece a denominação que lhe empresta Nilo Batista: “Política criminal com derramamento de sangue” (11). E a nova lei de drogas (Lei 11343/06) piorou a situação, ao aumentar a pena do crime de tráfico, que era de reclusão de 3 a 12 anos, no regime da revogada Lei 6368/86, para reclusão de 5 a 15 anos (art. 33 da Lei 11343/06), alcançando exatamente os ocupantes dos postos mais baixos da estrutura hierárquica do comércio de drogas, ou seja: os “aviões”, os “olheiros”, os “fogueteiros”, os “embaladores”, os “gerentes” e os “soldados”, geralmente pobres e negros das periferias urbanas do país. Este retrocesso tem maior impacto negativo que os pontuais avanços positivos da nova legislação, justificando o título do ensaio crítico de Cristiano Maronna: “Retrocesso travestido de avanço” (12).

Agregue-se à lex gravior o critério do artigo 28, parágrafo 2º, nos termos seguintes: “Para distinção entre tráfico e uso o juiz atenderá às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Nestes particulares, os negros e os pobres serão sempre prejudicados.

Por outro lado, com ares de moderninha, a lei nova, no seu artigo 33, parágrafo 3º, cria a figura do “uso compartilhado”, com pena de detenção de 6 meses a 1 ano, para o agente que compra e divide com outros o custo e o uso da droga. É o chamado “user-buyer-seller”, para quem, há mais de três décadas, Yolanda Catão e Heleno Fragoso, em precioso estudo sobre o sistema de distribuição de maconha, já reivindicavam tratamento diverso do deferido ao traficante (13). Trata-se, destarte, de reparo que, além de tardio, alcança apenas os usuários do “asfalto”, não pertencentes à camada pobre da sociedade.

Outro discreto avanço é o artigo 2º, que excepciona do conceito de droga as plantas de uso estritamente ritualístico-religioso. Tal dispositivo pode ter utilidade garantidora se entendido como eterna proibição de considerar tais plantas como substâncias psicotrópicas por meio de listas do Poder Executivo, dissolvendo toda aquela diletante prospecção em torno da ayahuasca (14).

Para compensar esses dois momentos de lucidez, o legislador comete alguns tantos desatinos. A começar pelo artigo 3º, inciso I, da lei 11343/06, que estabelece a finalidade do Sisnad, nos seguintes termos: “Articular, integrar, organizar e coordenar atividades relacionadas com prevenção do uso e repressão do tráfico de drogas”. Como o Sisnad cometeria tamanha proeza, considerando a imensidão do país e as inúmeras agências (regionais, municipais, estaduais e da sociedade civil) que cuidam do assunto, com posições divergentes?

Ainda no âmbito dos princípios do Sisnad, a lei nova, em seu artigo 4o, inciso III, estabelece abstrato propósito, esculpido na forma seguinte, in verbis : “promoção de valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro como fatores de proteção para (sic) o uso indevido de drogas e outros comportamentos correlacionados”. A primeira parte deste inciso não passa de um discurso ufanista, sem qualquer concretude e nenhuma utilidade; na segunda parte, a redação está claramente invertida, pois quando a lei em vez de dizer “fatores de proteção contra o uso...” ela diz “fatores de proteção para o uso...”. O errado manejo da preposição “para” inverteu o sentido da oração, salvo se admitirmos que o legislador tenha querido dizer que os valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro são fatores que protegem o uso de drogas... Aquele que protege auxilia, ajuda. Aqui, o legislador disse exatamente o contrário do que queria dizer. Ademais, na leitura do desdobramento do mesmo inciso, cumpre a seguinte indagação inquietante: a quais “comportamentos correlacionados” se refere a lei?

A lei nova, no seu artigo 4º, inciso I, apresenta uma das maiores pérolas da hipocrisia universal, ao garantir como princípio do Sisnad o respeito à autonomia e à liberdade da pessoa humana . Ora, a que respeito alude a lei? Dever-se-ia respeitar, isto sim, a autonomia da pessoa humana na sua eventual escolha pelo uso de drogas; dever-se-ia respeitar, acima de tudo, o princípio da lesividade, que não permite incriminação de condutas que não causem danos a outrem.

O resultado do imbróglio é uma situação adversa nas suas duas pontas, onde uma política preconceituosa e dissimulada impulsiona e legitima uma legislação despótica e irracional.

Mudar esse panorama é uma tarefa ingente (15), que importa persuadir os empresários morais do anacronismo dessa política, cuja desgraça social já consumada somente a história poderá contabilizar, somando as vidas perdidas, as prisões legais e ilegais, a disseminação de doenças e tantos outros resultados não menos deletérios.

Considere-se, noutro giro, que os EUA não vão abrir mão de um dispositivo de controle político externo, que pode ser ativado simplesmente com a polícia local, naturalmente que “instruída” e “monitorada” pelas agências americanas de repressão às drogas instaladas no entorno da América do Sul, que ora voltam suas baterias para a Venezuela, no início do governo de Barak Obama, sinalizando claramente que no quesito “drogas” a orientação da “matriz” não só permanece a mesma como busca uma “linha mais repressiva e dura no seu combate”, como informa Luciana Boiteux, direto da UNGASS/Viena/09 (16). Acrescente-se a esse escopo de recrudescimento a “cumplicidade” da ONU, como denunciada por Danny Kushlik, diretor da Transform Drug Policy Foundation,na dita reunião (17).

Contudo, uma política de drogas sintonizada com a pós-modernidade – mais tolerante com a diversidade, como assegura Bauman, em sua magnífica obra “Modernidade e Ambivalência” (18) – é desejável não apenas pelos juristas e criminólogos de ponta, mas até mesmo pelo senso comum mais refinado, expressado entre nós, por exemplo, nos comentários de Chico Buarque (19) e Gilberto Gil (20), ou nas tintas de Nelson Motta (21), Eliane Cantanhêde (22) e Marcelo Coelho (23).

Parece indiscutível que a descriminalização do uso e comércio de drogas provocaria a eliminação de caudalosa fonte de corrupção, o alívio das agências policiais, judiciais e penitenciárias, o surgimento de novos postos de trabalhos formais, a arrecadação de mais tributos e, acima de tudo, a eliminação do medo que tanto assombra milhões de usuários.

Entretanto, como já se disse, a adoção de uma política diversa da proibicionista depende do cumprimento das duas condições: o convencimento dos empresários morais do país subalterno e a disposição dos EUA de modificar de ponta-cabeça sua política de drogas.

A primeira condição pode ser satisfeita com publicação de textos e realização de simpósios, mas a segunda é de imponderável satisfação porque diferentemente da primeira – que diz respeito a uma relação entre escritor e leitor, palestrante e simposiasta – está ligada aos interesses maiores do capitalismo globalizante neoliberal, senão pelo grande volume de dinheiro envolvido no comércio de drogas ilícitas, como também pelo grande volume de dinheiro desperdiçado na suarepressão.

Ainda como dispositivo de controle, a política proibicionista oferece aos EUA o fundamento retórico necessário para manobrar as economias dos países subalternos, permitindo-se, em nome da “war on drugs” e em defesa da saúde do mundo, descumprir convênios comerciais, impor condições leoninas em contratos de seu interesse e, até mesmo, depor presidentes, gerando desemprego, miséria e instabilidade política. Rosa del Omo cita artigo de Clliford Krauss, publicado no Wall Street Journal, de 26 de setembro de 1986, sob o título “US Sugar Quotas Impede US Policies Towards Latin America”, em que traz à colação o caso dos plantadores de cana de Belize e da Jamaica, que perderam seus empregos por conta das restrições americanas na cota de compra do açúcar e passaram a plantar maconha; prenuncia ainda a saudosa professora o mesmo destino para os plantadores de café da Colômbia, assinalando que nisto reside a face oculta da política de drogas (24).

Este viés maligno - que transforma agricultor em marginal - conspurca qualquer espírito revolucionário. Afinal, como poderia esse agricultor ver na terra a “mãe”, se dela provêm um produto clandestino e demonizado? A terra torna-se para ele, isto sim, “campo espoliável”, jamais “mãe vivente”, como na epifania do autor irlandês.

A despeito de tão ingentes dificuldades, qual seria a missão da esquerda, dos socialistas que ainda acreditamos no sol do porvir, para livrar as próximas gerações desses controles sinistros? Vera Malagutti assim responde: “A tarefa principal dos que pensamos as questões da criminalidade, das drogas e da violência na periferia do capitalismo é estabelecermos a nossa própria pauta. Nossa reflexão tem que romper com os estereótipos que nos foram conferidos pelo capital vídeo-financeiro, pela mass-midia. Queremos uma nova pauta: novos destinos para a nossa juventude pobre que não sejam a cadeia ou o extermínio” (25).

Nesse sentido, cumpre lembrar que a Comissão de Política de Drogas do IBCCRIM, louvada no consenso de várias ONGS e empenhada na “construção de alternativas à política proibicionista-punitiva”, faz a seguinte recomendação no quinto item da sua pauta de sete resoluções: “A não incriminação e regulamentação do cultivo, produção, fabricação e comércio de drogas deve ser encarada como uma alternativa viável (a ser objeto de exame) na construção de uma relação pacífica com as drogas” (26).

Sem considerar a urgência da reivindicação, parece razoável que agora se reclame a existência dessa nova pauta para nela fazer constar uma política libertária de drogas, não para se contrapor à política proibicionista vigente nem para insultar seus seguidores, mas sim para expressar a vontade do grupo sul-americano, integrado por países soberanos e independentes.

 

Notas:

1.a – Joel Rufino dos Santos: “A arte, a religião, o amor, a magia, a droga, a literatura não por acaso têm algo em comum: estão presentes no plano anterior da existência como aventura existencial ” (Quem Ama Literatura Não Estuda Literatura; Ed. Rocco, RJ, 2008, página 31);

1.b – Henrique Carneiro: “Nas sociedades pré-capitalistas, tanto no mundo antigo europeu, nos países orientais ou nas culturas ameríndias, o uso do álcool e de outras drogas assumiam papéis sociais centrais nos rituais, na guerra, na devoção, nas atividades xamânicas. Desde a unificação planetária resultante do estabelecimento da dominação européia sobre o mundo, o regime da produção de mercadorias tornou as drogas cada vez mais mercantilizadas, assumindo a forma das commodities” (História das Drogas e Bebidas; Elsevier Editora Ltda., RJ, 2005, página 16);

2 – Cf. Rosa del Omo; Drogas: Inquietudes e interrogantes ; Ed. Fundación José Félix Ribas, Caracas, 1998, páginas 18, 21, 25, 29 e 34;

3 – Jornal “O Globo”, de 12 de março de 2009:“ONU admite fracasso no combate às drogas”; Folha de São Paulo, de 11 de março de 2012, Clóvis Rossi, em artigo intitulado “Drogas invadem agenda da América”, assim afirma: “A burocrática agenda preparada para a 6ª. Cúpula das Américas (Cartagena, Colômbia, 14 e 15 de abril) está sendo subvertida por temas mais candentes do que a integração das Américas... Na sexta-feira, até os Estados Unidos aceitaram ao menos debater o tema (drogas), segundo Mike Hammer, subsecretario interino de Assuntos Públicos do Departamento de Estado. Hammer reafirmou o veto à despenalização, com o argumento de que a liberação é mais custosa para a sociedade que a proibição”.

4 – Nereu José Giacomolle: “O secretário de Estado americano, George Shultz, em uma conferência, na Standford Business Scholl , declarou que o programa antidrogas dos EUA é débil e não funcionará, pois é o mesmo da era Nixon e da era Reagan, elaborado por ele” (Análise crítica da problemática das drogas e a L. 11343/06, na Revista Brasileira de Ciências Criminais, março-abril de 2008, página 181);

5 – Otávio Dias de Souza Ferreira: “Militello comentava que a história mostra que é uma ilusão libertar-se apenas um único tipo de entorpecente, pois a incessante busca pelo prazer leva o homem a desenvolver continuamente novas substâncias” (Drogas e direito penal mínimo: análise principiológica da criminalização de substâncias psicoativas, em Revista Brasileira de Ciências Criminais; Editora Revista dos Tribunais, número 75, novembro e dezembro de 2008, página 203);

6 – Rosa del Omo:“En el caso concreto de las drogas, este abordaje es factible ya que, en el presente siglo, ha sido Estados Unidos el país que ha ejercido el liderazgo mundial en la preocupación por el fenómeno, y más concretamente por eliminar la producción de otros países (Reuter, 1985: 79). Debe recordarse que fue el gobierno norteamericano el que tomó la iniciativa para convocar y organizar la I Conferencia Internacional conocida como la Comisión del Ópio, reunida em 1909 em la ciudad de Shanghai, China. Desde ese momiento seguiría como actor principal en el escenario internacional para la promulgación de uma serie de tratados y convenios, hasta llegar a la Convención contra el tráfico ilícito de estupefacientes y sustancias psicotrópicas, aprobada en deciembre de 1988, en la ciudad de Viena, Austria”(Drogas: Inquietudes e interrogantes; Ed. Fundación José Félix Ribas, Caracas, 1998, página 73);

7 – Otávio Dias de Souza Ferreira: “Segundo critérios biologicistas, costumeiramente considerados como os únicos científicos, é inviável justificar a legalidade do álcool e do tabaco enquanto a maconha é proibida” (Obra citada, página 229);

8 – Roberto Lyra Filho:“Houve um retrocesso histórico: a lógica do Direito Penal (não punir a prostituta, mas punir a sua exploração, não punir o frustrado suicida, mas punir o instigador) era seguida em matéria de uso de drogas no Brasil até o advento do DL 385/68, que deu nova redação ao artigo 281, passando a punir o usuário” (Drogas e Criminalidade, artigo publicado na Revista de |Direito Penal, números 21-22);

9 – Thomas Szasz: “Voltaire said: ‘I disapprove of what you say, but I will defend to the death your right to say it’. But who would say today: ‘I disapprove of what you take, but I will defend to the death your right to take it’? Yet it would seem to me that the right to take things is more elementary than the right to say things’ (The Second Sin , Anchor Books Edition, New York, 1974, página 71);

10 – Alexandre Moura Dumans: “Os líderes comunitários têm enorme importância para as largas massas, são seus legítimos representantes e não podem ficar à mercê das agências policiais; carecem de urgentes imunidades, especialmente para suportar as acusações tão em voga de associação e/ou colaboração com o tráfico de drogas, previstas nos artigos 13 e 14 da Lei 6368/76. Apesar de sua previsão legal, o uso desses dispositivos (tipos abertos, de comando vago e impreciso) começa a tornar-se um modismo repressivo gerado a partir do caso ‘Belo’. Antes, tais dispositivos não eram aplicados porque a polícia achava que o Poder Judiciário não habilitaria tal pretensão, louvada apenas no disse-que-disse de populares, de desafetos do indivíduo visado, de gravações descontextualizadas ou de denúncias anônimas, sem apreensão de droga. Mas, a partir do caso ‘Belo’, percebendo que uma parte do Judiciário carioca agasalhara com satisfação e felicidade a idéia, passou a polícia a aplicar os dispositivos de cambulhada, sem os embaraços que implicam a obrigação da prova da materialidade, indispensável no caso de imputação por tráfico ou, até mesmo, pelo simples uso (artigos 12 e 16 da citada lei). Prender por droga sem droga é o mesmo que prender por homicídio sem cadáver, por furto sem res furtiva, por falsidade material sem documento etc. É a liberdade de acusar qualquer um a qualquer tempo sem qualquer motivo. É o paraíso da repressão, que faria inveja a Hitler, Mussolini e seus eventuais seguidores. Nem mesmo as ditaduras militares latino-americanas descobriram tamanha facilidade para operar seus desígnios. É sabido que os fascistas de plantão cuidarão de dizer que os tipos dos artigos 13 e 14 da lei de drogas (associação e/ou colaboração) não exigem materialidade, que são crimes formais, que se consumam com qualquer ato de colaboração. Mas, com certeza, jamais poderão definir em que consistem tais atos de colaboração, sem se perderem em conceitos vagos e preconceituosos. A prisão ou convocação de pessoas por conta dessa espécie de imputação é uma grave ameaça para todos os cidadãos, mais especialmente para as lideranças comunitárias do país, que passam a ficar altamente vulneráveis às intempéries políticas locais, podendo ser abortadas ao gosto e ao tempo das autoridades constituídas, através de simples e, aparentemente, corriqueira atividade policial. É o disfarce de uma covardia; é o uso da instituição policial para suporte de ambições políticas inconfessáveis. Tal expediente, além de espúrio, compromete nossa liberdade política, cuja relevância é assim destacada por Richard Rorty: ‘Se cuidarmos da liberdade política, a verdade e a bondade cuidarão de si mesmas’. No caso de William de Oliveira, presidente da principal associação de moradores da Favela da Rocinha, a pirotecnia policialesca mostrou-se altamente eficaz, pois conseguiu afastar da vida pública – embora temporariamente – um trabalhador, sem qualquer registro policial aos 39 anos de idade, representante legítimo dos moradores da comunidade em que mora desde que nasceu. Outros líderes comunitários, como, por exemplo, a presidente e diretoras da associação de moradores do morro Dona Marta, já foram chamados para ‘esclarecimentos’ em sedes policiais. A situação é grave e possibilita um verdadeiro genocídio de lideranças espontâneas e autênticas das camadas sociais menos favorecidas. E se a moda pega, o preço histórico pode vir a ser muito alto” (Lideranças Comunitárias Ameaçadas; texto publicado no JB de 29 de setembro de 2005);

11 – Nilo Batista, “Política Criminal com Derramamento de Sangue”, na Revista Brasileira de Ciências Criminais, número 20; Editora Revista dos Tribunais; Ano 5, março a dezembro de 1997, página 129;

12 – Cristiano Ávila Maronna, “Nova Lei de Drogas: Retrocesso Travestido de Avanço”; Boletim IBCCrim, ano 14, nº. 167, outubro de 2006;

13 – Yolanda Catão e Heleno Fragoso: “Existe o user buyer-seller , que é o usuário que compra para seu próprio consumo e revende para os amigos, frequentemente sem nenhum lucro. Neste caso trata-se de indivíduo - em geral, homem – que consente em assumir o risco sozinho, entrando em contato com o ‘transeiro’ ou com o traficante, comprando maiores quantidades de maconha para poder depois distribuí-la entre os amigos ou aqueles que participaram dessa sua atividade. Ora, esta pessoa não é o traficante propriamente dito, ou seja, aquele que a política criminal procurou perseguir como traficante. Quando existe lucro, este é mínimo e as quantidades são sempre pequenas. O objetivo não é a venda em si, mas o consumo da substância” (Abuso de Drogas na Legislação Penal Brasileira; Publicação da Série Pesquisa 2, do Instituto de Ciências Penais da Faculdade de Direito Candido Mendes, Ed. Líber Juris Ltda., página 45);

14 – FSP de novembro de 2004: “Drogas – Conad monta grupo de estudo sobre Ayahuasca: O Conad – Conselho Nacional Antidroga – aprovou resolução na semana passada criando um grupo de trabalho para estudar durante seis meses os modos de uso e efeitos causados pela ayahuasca em membros de rituais religiosos, como o Santo Daime, a União do Vegetal etc. A ayahuasca é um chá preparado a partir do caapi e da chacrona e consumido nas cerimônias religiosas. A resolução foi publicada na segunda-feira no DO da União. A decisão foi tomada com base em uma lacuna jurídica: desde 1992, não há restrição legal ao consumo de ayahuasca, pois uma decisão do extinto Cofen – Conselho Federal de Entorpecentes – havia retirado a bebida do rol de substâncias proibidas”;

15 – Otávio Dias de Souza Ferreira: “Em questões polêmicas como é a criminalização de drogas, os legisladores de sociedades de comunicação de massa costumam ser conservadores, reproduzindo uma lógica unidimensional, alimentando um ciclo que torna a opção proibicionista um sistema fechado, muito pouco permeável a mudanças” (Obra cit., página 183);

16 – Luciana Boiteux: “Na própria cerimônia de aprovação do texto foi selado o racha entre dois grupos. Um liderado pelos Estados Unidos, favorável a uma linha mais repressiva e dura no combate às drogas. E outro, liderado por europeus, que defendem uma abordagem mais liberal. Por causa das divergências entre esses dois grupos, a declaração virou uma espécie de colcha de retalhos. Num malabarismo de linguagem burocrática, colocou-se um pouco de tudo para satisfazer a todos” (Informe de 19 de março de 2009, às 12h31min);

17 – Danny Kushlik: “Every state that signs up the political declaration at this commission recommits the UN to complicity in fighting a catastrophic war on drugs. It is a tragic irony that the UN, so often renowned for peacekeeping, is being used to fight a war that brings untold misery to some of the most marginalized people on Earth. 8000 deaths in Mexico in recent years, the destabilization of Colombia and Afghanistan, continued corruption and instability in the Caribbean and West Africa are testament to the catastrophic impact of a drug control system based upon global prohibition, as it runs counter to the primary impact of the prevailing drug control system which, as the past ten years demonstrate, increases harm” ( Drug War Chronicle, issue 576, de 13 de março de 2009);

18 – Zygmunt Bauman: “Liberdade, igualdade e fraternidade fizeram o grito de guerra da modernidade. Liberdade, diversidade e tolerância constituem a fórmula do armistício da pós-modernidade. E com a tolerância transformada em solidariedade, o armistício pode mesmo transformar-se em paz” (Modernidade e Ambivalência; Tradução de Marcus Penchel; Jorge Zahar Editor, RJ, 1999, página 110);

19 – Francisco Buarque de Holanda: “Não faço apologia das drogas. Mas em países como o nosso, com a droga à solta, barata, na mão de crianças, a violência do narcotráfico produz muito mais vítimas que um hipotético controle de seu comércio e consumo” (Revista “Veja”, de 26 de abril de 2006);

20 – Jornal “O Dia”, de 03 de abril de 2006: “Ministro da Cultura, Gilberto Gil, defende a liberação de drogas para combater a venda ilegal e a violência. Assim, ele acredita, o governo pode transformar o que hoje é caso de polícia em problema de saúde pública”;

21 – Nelson Motta: Sem pecado acima do Equador, artigo publicado na “Folha de São Paulo” de 17 de junho de 2005;

22 – Eliane Cantanhêde: Cega, surda e muda: pobres mulheres presas por tráfico não podem ter o mesmo tratamento que os grandes corruptos , artigo publicado na “Folha de São Paulo” de 14 de agosto de 2001;

23 – Marcelo Coelho: Proibição das drogas é obra de drogados , artigo publicado na “Folha de São Paulo” de 08 de dezembro de 1999;

24 – Rosa del Omo: “Os projetos do presidente Reagan para promover estabilidade política, e econômica, controlar a imigração ilegal e o tráfico de drogas foram afetados pelas contínuas restrições às cotas açucareiras desde 1982. A política norte-americana frente ao açúcar custou à região mais de 130 mil desempregados desde 1984, que não tiveram outro remédio senão converterem-se em imigrantes ilegais ou em cultivadores de maconha para sobreviver. E o que está acontecendo com o café na Colômbia? Esta é a face oculta da droga” (A Face Oculta das Drogas, tradução de Teresa Ottoni, editora Revan, Rio de Janeiro, 1990, página79);

25 – Vera Malaguti Batista; Nada de novo no front , artigo publicado na Revista “Ciência Hoje” de 23 de setembro de 2007;

26 – Boletim IBCCRIM; Editorial: Drogas: guerra ou paz? ; Ano 16, número 196, março de 2009.